A escola de velhos bibliotecários

Eu acho que já li toda a Wikipédia. Duas vezes.

Eu sei de tudo, e o que eu não sei, pergunto ao meu irmão de 90 anos.

Uma dessas duas frases é minha, e a outra, do meu sobrinho de 4 anos. Nenhuma é particularmente verdadeira, e os interlocutores não chegaram a acreditar nesses despropósitos. Porém elas mostram uma coisa interessante sobre a nossa capacidade de nos enganar.

A vã ilusão de que o conhecimento, por si só, é útil.

Queremos saber. Buscamos conhecimento, como o ET de Varginha ensinou. Mas não respondemos qual, nem para quê.

Qual é a necessidade de saber a sequência dos reis de Portugal, se a wikipédia sabe, ou de decorar as estações de metrô da linha 5 de Paris? São meros exercícios de memória, sem aplicação prática em quase nenhuma situação.

Quando há uma aplicação prática, aí sim, temos informação. Todo o resto do tempo, é neurônio ocupado.

Eu sei, saber não ocupa espaço.

Mas ocupa tempo. Não sei você, mas eu tenho menos tempo do que espaço.

Estou crescendo (para os lados) e encurtando (a expectativa de vida). 

Queria saber menos coisas, e mais coisas certas.

Queria saber menos se Capitu traiu e mais entender que um texto está me enganando.

Queria saber qual é a nota certa a tocar, e menos escalas.

Mas isso não se aprende, nem se ensina. Não existe uma escola de velhos bibliotecários.

Sabe aquela pessoa que, quando você faz uma pergunta, não sabe a resposta, mas te aponta um caminho?

“Olha lá, é aquele livro de fulano de tal.” “Já procurou no site não sei qual?” “Acho que se você mandar uma mensagem para Beltrano, ele te ajuda.”

Nada substitui essa experiência, essa capacidade de encontrar a informação certa.

Se você mandar dois astronautas para Marte com a wikipédia completa, a civilização vai colapsar exatamente por isso.


Este post é o 6 de um exercício chamado #the100DaysProject