Refletindo sobre a minha mania de isolamento e também sobre a especulação imobiliária obrigatória para quem mora nos arredores de Lisboa, lembrei de uma fantasia recorrente: mudar de cidade.
Vou mudar de novo? Que eu saiba, não. Mas sonhar, como sempre, não custa nada.
Já estive em Nova Iorque, Londres, Paris e Tóquio. Destas, a única cidade que eu gosto é Tóquio. Mas não gostaria de morar em uma cabine telefônica deitada de novo. Talvez alguma vila de interior no Japão, no máximo. As outras, são cidades caras, cheias de gente, muita gente, muito barulho, muita sujeira, e provavelmente só são consideradas legais porque foram cenários de tantos filmes e histórias que estão por aí. Mas na vida real mesmo, viver numa dessas metrópoles (ou em qualquer outra metrópole) tá mais próximo da distopia que da utopia.
Algumas metrópoles, como São Paulo, não valem nem para visitar. Lá virão alguns leitores jogar pedra, mas é puro bairrismo e defesa do ego. A pauliceia oferece pouco, e o seu melhor chega via download mesmo. “Ah, tem os amigos.” Tem. Eles podem vir me visitar, e ainda ganham uma garrafa de vinho.
Outras, como Miami, são mais sedutoras. Talvez por isso, todo mundo que ama São Paulo e tem dinheiro possui uma casa favorita lá. Entretanto, é bastante caro o prefixo 305. E, para mim, não seria sonho, mas flashback.
Conheço também cidades não convencionais, aquelas que não estão nas listas de lugares-comuns onde as pessoas sonham em morar: João Pessoa, Veracruz no México, Sevilla, Coimbra. Não é bem uma casa no campo para cantar muitos rocks rurais, mas dá pra chegar perto. Ainda não é longe demais das capitais. Morar numa cidade que não é o centro do universo tem imensas vantagens, como ainda estar perto de um aeroporto, hospitais e ter internet decente, basicamente tudo o que um ser humano precisa. Mas ainda assim, estão cheias de trânsito, barulho, poluição, filas para entrar, filas para sair. E ainda têm o problema de ter gente fofocando na calçada. Cidades que tinham menos de 100 mil pessoas na época dos meus avós ainda têm aquela horrorosa mentalidade de província, com as desvantagens das metrópoles.
Chega a hora de considerar cidades pequenas. Nunca tive o sonho de morar em Areia-PB, uma Girona da vida, mas já passei uma temporada na Covilhã, e já tirei isso também do sistema. Tem um shopping center, ou algumas lojas, supermercados. Não é campo, mas também não é cidade mesmo. São menores que o Manaíra, e se nota. Chega-se a qualquer lugar em 5 minutos de carro. Não há trânsito, às vezes as pessoas andam no meio da rua. E há poucos lugares que valham à pena ir em 5 minutos de carro. Mas pra isso, melhor morar no campo mesmo.
Só que eu exagero. Se for pra ficar longe, vamos sonhar. E este ano de praga e isolamento, eu pensei em morar em cidades realmente distantes.
Por causa de umas conversas com um amigo, lembro de ter passado algum tempo olhando no Google Maps a capital do Amapá. Não é capital, no sentido tarrasquiano da palavra. Pela altura dos prédios, largura das ruas, e talvez pela cor das fotografias, parece Cabedelo nos anos 80. Tem espaço. Deve ter ar puro. Está lá no extremo norte da Amazônia brasileira, infelizmente quase esquecida. Pelas fotos, me pareceu um lugar bonito para estar.
Mas se estamos falando de sonhos meio hippies, lembre de Holbox. Uma ilha, no Caribe, um dos lugares mais bonitos por natureza que eu conheço. Tem uma caminhonete da polícia e um fusca dos anos 80 colorido, e o resto são carrinhos de golf. Para ser atropelado, é preciso esperar uma iguana passar com pressa. Ou então, entre os meses de agosto e setembro, estar dentro d’água quando as baleias passam. Tranquilidade, sol e mojitos. Acredito que a internet funcione bem lá, mas não lembro de ter prestado atenção nesse detalhe. E está a uma hora do aeroporto – o que significa muito menos tempo que o trajeto Itaim Bibi – Guarulhos. E o sotaque de Yucatán é muito mais agradável que o paulista, verdade seja dita. Não vejo muitas desvantagens em estar ali, observando o por-do-sol num manguezal, e longe de tudo.
Ou então, se for para ficar numa casa aquecida, de porta fechada, para só receber uma visita ocasional que me interrompa a leitura, lembrei da Serra da Estrela. Não necessariamente uma das cidades, como a Covilhã, até porque as ladeiras são cansativas, mas uma casa ali, no frio, longe de tudo, com um bom queijo e um vinho, são suficientes para entorpecer o cérebro. Este ano, considerei várias vezes passar tempos por lá.
Mas já que estamos idealizando, voltamos ao sonho de sempre. Tristão da Cunha. É ilha, como Holbox, difícil de chegar (só dá pra ir duas vezes por ano, de navio, via África do Sul, e nem sempre dá pra desembarcar), é frio feito a Covilhã, é ignorado do resto do mundo feito Boa Vista. Infelizmente agora não faz mais parte da União Europeia por causa do Brexit, mas não posso fazer nada em relação a isso.
Não adianta. Por mais voltas que eu dê, por mais que eu viaje, a obsessão continua lá. Aquele pontinho no Atlântico Sul, longe demais até para exilar Napoleão, ainda é o melhor lugar para se sonhar.