No caminho do bem

Eu sou uma pessoa muito talentosa. Desde que me entendo por gente, eu venho descobrindo mil maneiras diferentes, mil formas, mil execuções fantásticas da gloriosa arte de desistir.

A capacidade de deixar para lá uma coisa começada, uma ação que necessitaria uma consequente que nunca virá, um objeto ainda imperfeito, é algo que me persegue. Veja lá o meu blogroll de blogs abandonados, a lista imensa de rascunhos, as pilhas de papel amassado.

Desistir não é algo ruim, veja bem. Desistir é escolher um caminho. É editar possibilidades ruins. Para que o nosso limitado tempo seja usado pela outra opção, a que achamos melhor.

Na minha escala de valores, mau não é deixar algo pelo caminho. Mau mesmo é deixar algo não iniciado. Nem tentar. Começar e perceber que é perda de tempo, encostar numa parede e deixar aquilo ali para que outro continue não é inerentemente ruim. Ruim mesmo é nunca ter experimentado. Você pode se perguntar: “mas se tivesse continuado, tinha ficado rico/famoso/importante.” É, mas para isso, teria que ter conseguido terminar. E algo no meio do caminho me fez parar. Naquele instante, o algo-que-me-fez-parar me pareceu mais importante que o algo-desistido.

Carta do Carro, feita por Pamela Coleman Smith, do tarô de Rider Waite.
Carta do Carro, feita por Pamela Coleman Smith, do tarô de Rider Waite.

A questão crucial de toda desistência é o motivo. Interrompi uma conversa riquíssima para escrever estas mal-traçadas linhas. Parei uma campanha de D&D para começar uma de Vampiro. Deixei expirar o domínio de um site porque não conseguia mais tempo para alimentá-lo. E infelizmente também também desisti forçado, podei a árvore da vida sem entender de onde veio a tesoura.

E a gente continua, levando a boiada pela longa estrada.

O tempo infelizmente é uma estrada que só corre em uma direção, e nós, ao volante, podemos escolher para que lado vamos, deixando para trás todas as curvas, todas as escolhas e bifurcações que o caminho nos oferta.

Outro dia, lembrei de uma anedota atribuída a Picasso (pode ser Dalí, ou pode ser Clarice Lispector, se Clarice fosse pintora e não a autora de toda as frases da internet), de que “um quadro está acabado quando encho o saco dele e finalmente ponho a minha assinatura embaixo.”

Desistir é nunca colocar uma assinatura.

No caminho da vida, trabalhar é continuar andando. É utilizar a nossa própria energia para continuar seguindo em frente, rumo a algum rumo, ou a rumo nenhum. Nós saberemos quando chegarmos lá. Colocar mais um tijolo nesse muro que construímos, mais um pouco de tinta na parede, mais uma palavra na canção.


Este texto faz parte da blogagem coletiva Estação Blogagem, que a Aline Valek organizou com a Gabi Barbosa, com o tema Tarô: cada semana de novembro será regido por um naipe que vai inspirar a produção dos textos. Para saber a programação e participar, leia o primeiro texto aqui.

Banner da Estação Blogagem. Este texto faz parte da blogagem coletiva Estação Blogagem, que a Aline Valek organizou com a Gabi Barbosa, com o tema Tarô: cada semana de novembro será regido por um naipe que vai inspirar a produção dos textos.