Vi certa vez um grande autor fazer uma belíssima defesa da ficção, principalmente da fantasia, explicando que a vida, para algumas pessoas, é pesada demais e a arte ajuda a escapar por alguns momentos. Quando estamos em Oz, Nárnia ou na Terra Média, os perigos de Saruman nos fazem esquecer dos nossos medos reais, das Bruxas do Oeste encarnadas em relações familiares disfuncionais, dos Morgoths que ameaçam a nossa existência física.
Eu escrevo porque não consigo parar de pensar, e quando escrevo consigo controlar no que penso. Tenho mais agência do que quando leio, porque ao consumir uma história só posso escolher qual é a história na qual irei submerger por um tempo, enquanto que, quando escrevo, sou mais ou menos quem controla a história.
Mas escrever não é somente uma maneira de escapar. É uma maneira de compartilhar o meu jeito de pensar com outras pessoas. É trazer outros para dentro do meu mundo interior, mostrar as sinapses estranhas que meus neurônios fizeram.
É uma sensação boa, a de ver que alguém submergiu no meu texto – nas minhas ideias – e voltou, trazendo algo de lá. Qualquer coisa que encontrem no fundo dessa piscina, para mim, é um tesouro. Porque fui eu que deixei, consciente ou inconscientemente. E quando alguém diz que encontrou algo, é maravilhoso. Quando encontra algo que eu nem lembrava, ou nem notei – porque a interpretação é livre – é ainda mais esquisito. Sou eu me reencontrando com o inconsciente. É um micro-tesouro que eu dei ao mundo, que eu nem sabia que tinha, e alguém encontrou.
Também é porque nem sempre eu tenho algo melhor para fazer. Podia estar roubando, podia estar matando, podia estar fazendo memes. Mas estou aqui juntando palavras, e talvez este nonsense faça sentido. Para mim ou para alguém.
Eu também escrevo porque posso. Tenho o tempo, e sei fazê-lo. Preciso apenas abrir um editor de texto e soltar algumas palavras com uma correção gramatical passável e gastar um léxico um pouco melhor do que a média. Se eu quisesse tocar bateria, eu não poderia, mesmo que tivesse a vontade. Mesmo obrigado, não iria acontecer.
Eu sei escrever, às vezes até bem. Não é só ego, não que eu me ache o Mozart das palavras. Estas mal-traçadas linhas são bem mal-traçadas mesmo, admito. Entretanto, escrever é algo que se melhora, e eu já melhorei muito. E, verdade seja dita também, tem muita gente escrevendo pior do que eu por aí.
Além de tudo, já que está escrito, também deveria compartilhar, para que talvez a pessoa para quem este texto seja útil, bom ou importante tenha a possibilidade de encontrá-lo. Talvez alguém seja ajudado por isso. Por que mostrar? Por que não?
Tenho uma pequena crônica, que faz parte de uma série, que tem uma fã. É verdade. Ela me disse isso, a sério. Inclusive, eu já vi uma foto de um auditório lotado no Recife, onde esta fã deste meu texto – seria demais dizer qualificar esta amiga de fã da minha pessoa – onde ela colocou uma frase deste texto em letras garrafais, em uma palestra importantíssima, pra um público imenso. Para ela, aquelas mal-traçadas linhas foram importantes. Ainda bem que eu consegui botá-las para fora e publicar.
Do mesmo modo, talvez outras linhas sirvam para outras pessoas.
Não tenho um objetivo claro com os textos. Não quero mudar o mundo ou mudar os leitores, acho que este é o papel de outro tipo de textos. Conseguir uma reação é coisa de publicitário, coisa que, querendo ou não querendo, eu faço cada vez menos, e cada vez pior.
Talvez o objetivo devesse ser simplesmente que as pessoas gostassem. Todas? Não, porque um texto que todo mundo gosta é impossível ou banal. Algumas, umas tantas, quase poucas. Pode ser uma, como a crônica que eu citei há pouco, pode ser umas vinte.
O importante é que seja como uma piscina: fundo o suficiente para a leitora mergulhar, dar umas braçadas, e achar bom estar viva.