Se eu for aí e encontrar, você apanha.

Quatro décadas nas costas e eu acabei de ouvir isso. Todo o dia desesperado buscando uma caixinha que desapareceu. Criou pernas. Foi comida por um goblin.

Busquei em todos os bolsos de todos os casacos. Fui pro escritório. Voltei. Revirei as roupas sujas, as gavetas, as memórias e as lembranças.

Angustiei-me o dia inteiro por causa de fones de ouvido que custaram vinte euros. Mas eu gosto deles e não queria ter perdido.

Parecia que realmente tinham criado pernas. Aprendido a se camuflar e ido para a guerra.

Escafedeu-se.

Sumiu.

Deu pro mundo.

Existem objetos mínimos que se tornam extremamente importantes. Engraçado como às vezes gastamos rios de dinheiro, tempo e atenção com algo que raramente usamos (barco, casa de praia, jet ski, essas coisas que só dão alegria quando a gente compra ou quando vende), e outras coisas não custam praticamente nada, mas sem elas, o dia instantaneamente perde a graça.

Quarenta minutos no transporte público é um inferno sem fones de ouvido. Oitenta minutos por dia, trezentos dias por mês. E a gente tem a cara de pau de achar que um fone ruim é suficiente.

Travesseiro. Quem economiza com travesseiro pra mim deveria fazer um curso de economia.

Ou de lógica.

Meus fones sumiram e meu dia foi pro saco. Meu humor se acabou, as zoomiões foram um inferno. Tive que fugir.

Até que, do nada, o fone foi encontrado. Pela esposa. Em um lugar que eu tinha olhado pelo menos cinco vezes.

Meu dia, que já estava horrível, fica ainda pior. Mas muito pior mesmo. Porque além de ter perdido o tempo, o humor, o conforto, eu também perdi toda a moral que tinha em casa.

Tive que aguentar o vexame, o ridículo de ser incapaz de encontrar os malditos fones no lugar mais óbvio, onde eu havia guardado, onde sempre estiveram.

Não foram goblins, não foi a Piratinha. Fui eu, o besta, que ignorei o óbvio mais ululante possível.

Mea culpa, mea maxima culpa.


Este post é o 3 de um exercício chamado #the100DaysProject