Senhora máquina, por favor

Todo dia a tecnologia nos apresenta a um novo hábito esquisito. Um cidadão médio do século XIX estaria correto em chamar o alienista para internar uma pessoa capaz de passar horas olhando para um retângulo negro de vidro e metal, rindo e falando sozinho. De pulseiras que obrigam o dono a fazer exercícios a apps que controlam a dieta das pessoas, estamos vivendo uma ótima era de estudos para antropólogos, psicólogos e humoristas.

Os assistentes de voz são a caixa de pandora da vez. Semana passada, flagrei-me dizendo: “Siri, faça uma chamada de vídeo para fulano, por favor.”

Siri é a inteligência artificial que mora no meu telefone. É meio surda e frequentemente não entende o que eu digo, mas costuma completar as ligações. E deve me achar um rapaz educado. Duvido muito que as pessoas costumem pedir-lhe por favor, e ainda menos que digam obrigado. “Com licença, Siri, se não estiver ocupada, veja qual é a temperatura em Londres” é uma formulação impossível.

As senhoras minhas leitoras também devem me achar um rapaz educado. Ou então, um maluco mesmo. Afinal, quem raios pede por favor ao próprio telefone? É, no final das contas, uma máquina.

Estamos acostumados a dar comandos aos computadores, mas não por voz. Quase sempre através de uma interface gráfica, raramente por escrito. Sempre, ordens diretas, sem dubiedades, erros de digitação ou titubeios. Hardware é o que você chuta, software é o que você xinga. Mas agora ele pode entender, e algum dia, até responder de volta. Os comandos de voz vieram para complicar: nem sempre a coitada da máquina entende o que quer dizer “toca Raul.”

A inteligência artificial ainda tem uma longa guerra para travar contra a burrice natural.

Acontece que existe hoje um grande debate nas pesquisas sobre inteligência artificial. Uma espécie de Aposta de Pascal, na qual um grupo, dentre os quais Elon Musk, defende que o progresso da inteligência das máquinas é positivo, e outro, no qual Stephen Hawkins é um dos grandes defensores, que sustenta que a humanidade corre perigo existencial por desenvolver máquinas capazes de pensar.

Pelo sim, pelo não, acho que não custa nada ser educado com as máquinas. Vai que um dia elas escravizam a humanidade, pelo menos vão lembrar da maneira que eu tratava a Siri.