Por um defeito educacional na minha fase formativa, eu fui ensinado desde pequeno a obedecer as leis. Tipo, me disseram que elas existem pra que a sociedade funcione, pra que o mundo continue a girar, porque há punição e pá e tal. Eu era pequeno e nasci sob o signo de Virgem (digo dessa forma pra soar mesmo trágico), e obedeci. Não havia maneira de escapar. As leis existem para serem obedecidas.
Assim eu fui treinado.
Aí eu tive que aprender a dirigir. Para quem não sabe ainda, dirigir no Brasil é um exercício de incumprimento da lei. É tecnicamente, ao pé-da-letra-mente, impossível conduzir um automóvel, bicicleta, skate ou patins no Brasil sem, de alguma maneira, infringir o código de trânsito. Duvida? Deixe-me sentar 5 minutos ao seu lado com acesso ao código na internet que eu provo pra você. Praticamente tudo o que fazemos é, de alguma forma, proibido no trânsito brasileiro.
Quando eu era jovem, alguma coisa estranha lutava dentro de mim. Um horroroso diálogo interno
– ESTOU QUEBRANDO A LEI! ESTÁ ERRADO! KARMA! CASTIGO DIVINO!
– Tem outro jeito de fazer? Tô atrapalhando ninguém?
Virginiano que sou, nunca consegui esquecer 100% a primeira voz. Mas a segunda, pasmem!, é a voz da sociedade brasileira inteira. Relaxa aí, não tem problema nenhum ficar parado no meio do trânsito em fila dupla numa cidade de interior onde não passa nem carroça. É normal. Todo mundo faz. O mesmo se aplica ao extintor, à carteira vencida, dar seta, etc etc etc etc etc etc ad infinitum nauseabundum.
Nessa mesma época, eu li um livrinho estranho. Vigiar e punir, do Foucalt. (tema do vídeo, bora discutir Foucalt).
Lá, basicamente o autor explica que a sociedade impede a gente de fazer merda por medo dos vigias e dos castigadores. Polícia para quem precisa de polícia.
Anos depois, não sei exatamente quando, se sedimentou na minha cabeça uma ideia mais difusa e eticamente fraca, porém verdadeira na realidade do universo:
“No Brasil, a gente só realmente se importa com uma lei ou regra se estiver atrapalhando alguém importante. Se a lei for só pra melhorar difusamente o trânsito e não tiver nenhum guardinha precisando provar que está trabalhando no momento, que se foda”.
E a sociedade brasileira, amigo paulista, é o trânsito.