O dia em que eu me senti como um europeu na favela

Antes de contar a historia que aconteceu há pouco, queria explicar alguns detalhes que podem influenciar a minha percepção. Resolvi escrever porque me senti muito mal na hora que aconteceu, e não entendo direito o porque. Foi um processo de empatia estranho.

Estou escrevendo porque não reagi como de costume a um acontecimento corriqueiro. Em resumo, alguém me pediu dinheiro e eu fiquei surpreso.

Surpreso, Tarrask? Você é escandinavo?

Não. Eu nasci na Paraíba. Já vi gente pobre, mendigo, criança cheirando crack e vivendo no esgoto do canal de Boa Viagem em Recife. Vi a pobreza do interior e de cidade grande. Vi imigrante que veio pra Europa pra não morrer em guerra na África, passo por gente que passou por isso todo dia. Já vi favela, mas nunca vivi favela. Conheço, de primeira mão, a imoralidade brasileira, na definição do Alex Castro. Como bom brasileiro nascido em berço explêndido, eu tenho a Couraça da Insensibilidade Social. A definição dela é:

“Eu? Eu sou carioca de nascença. Se cada mendigo ou criança de rua me partisse o coração, eu não tinha chegado aos 8 anos. De certo modo, os miseráveis eram tão parte do meu meio ambiente quanto a chuva das duas da tarde do dela.” – Alex Castro

 

Não tenho problemas em dizer não a um vendedor de dvd pirata num bar, mesmo sendo ele imigrante e eu simpatizar com sua historia. Depois de dez segundos, nem lembro que aquela pessoa passou por ali. Não dou dinheiro a mendigo mas dou a poetas. Mas fiquei chocado com a senhora que me parou no caixa eletrônico e queria entender o porquê.

Mas vamos ao fato que me surpreendeu tanto que eu tive que escrever

A Espanha era um país mais rico que o Brasil, até em termos absolutos. Hoje caiu, as previsões são super-sombrias e eu não apostaria mil pesetas que melhore nos próximos anos. E me parte o coração dizer isso.

Estava num caixa eletrônico, no meio da rua, tirando dinheiro. Me aparece uma senhora e me pede uma ajuda pra comprar um sanduíche.

(Aqui, todo brasileiro, com a Couraça da Insensibilidade, pergunta: “e daí? aqui tem criança passando fome. Tem velha passando fome.)

A mulher pediu falando MUITO baixo. Envergonhadíssima. Estava bem vestida. Não era uma mendiga. Não estava pedindo dinheiro sentada na porta do super-mercado com um cartaz e avisando que tinha oito filhos para criar (isso, aqui quem faz são imigrantes do Leste Europeu). Ela era espanhola. Deve ter estudado, provavelmente até o equivalente do nosso segundo grau. Não tinha mais de quarenta anos. Era gordinha. Tinha dentes limpos e cabelos cortados. Não tinha, como se diz na minha terra, cara de quem passou necessidade.

Poderia ser sua colega de trabalho, poderia ser sua chefe, a sua sogra. Ela é de uma classe social diferente da minha, simplesmente porque perdeu o trabalho. Há 3 anos, não era. Eu sei que uma pessoa de classe média continua na classe média quando perde um trabalho por mais ou menos um ano ou dois. Gente muito econômica, por três.

Ela tinha cara de gente que descendeu de classe social.

Provavelmente ela já passou férias na França e em Marrocos, e agora pede.

Tenho muita pena de quem nunca teve uma oportunidade na vida. É de partir o coração saber que aquela criança africana sub-nutrida nunca vai ter a possibilidade de ser feliz. Gente que nasceu na pobreza, na miséria.

Mas este post é sobre outro tipo de tragédia.

É sobre alguém que caiu. E provavelmente não por sua culpa.

É fácil julgar e dizer que um político que vai pra cadeia mereceu. É fácil condenar alguém que perde todas as economias jogando ou bebendo ou gastando com prostitutas. Não é difícil ignorar um mendigo esfarrapado dormindo num caixa eletrônico, sabendo que há ajudas aqui no estado de bem-estar social, que dão casa e lugares para dormir. Até há pouco tempo, as pessoas que viviam nas ruas aqui eram drogados ou doentes mentais.

É fácil condenar jovens de 25 anos que não estudam (mais) nem trabalham (ainda), mas não é justo. Hoje, qualquer vaga de trabalho aqui tem 600 currículos, todo mundo que tem mestrado e está buscando trabalho já apagou o diploma e tem gente trocando tapa pra trabalhar de caixa de supermercado em meio-expediente.

Mas eu não consigo nem ignorar nem evitar escrever tudo isso por causa de uma senhora (notem, não consigo chamá-la mendiga, há algo de sub-consciente aí) que me pediu um sanduíche envergonhada ao lado de um caixa eletrônico.

Pela aparência, a senhora pode ter sido uma funcionária de alguma empresa, administrativa, sub-gerente de uma loja, funcionária de banco, supervisora de estoque, secretária de multinacional, enfermeira, professora universitária, costureira, escritora free-lancer. Foi demitida. Ou era dona de casa e o marido foi demitido. Enfim, ela passou a pedir, e imagino que há muito pouco tempo.

Poderia ser minha vizinha e comprar no mesmo super-mercado que eu.

Empatia é você conseguir se ver em outro ser humano. Foi muito fácil eu me identificar com essa senhora. Eu só precisava ficar uns dois meses desempregado pra chegar ao nível dela.

Aí acho que está a chave: eu consigo imaginar como deve ser ruim a vida de alguém que pede nas ruas, mas eu nunca consegui imaginar um cenário no qual as circunstâncias me obrigassem a pedir dinheiro na rua. O mais plausível seria se eu começasse a usar heroína, destruísse o meu cérebro e ao mesmo tempo afastasse todas as pessoas próximas, familiares e amigos.

Nunca imaginei gente formada, com contatos, boa educação, conhecimento e algum recurso caindo diretamente na mendicância. Ir morar num apartamento pior, vender o carro, comprar menos roupa, acontece com todo mundo.

Pedir um sanduíche é uma queda muito grande.

Mobilidade social: o de baixo sobe e o de cima desce

A Europa e uma parte dos Estados Unidos estão vivendo uma situação inédita na história da humanidade: pela primeira vez, uma geração vai viver pior que os pais. Terão menos oportunidades, menos dinheiro, menos recursos. É consequência de uma melhor distribuição de recursos para grupos sociais e países mais pobres.

O estranho é que os ricos europeus não estão mais pobres. Mônaco continua mais rica do que nunca. NY também. São as camadas mais pobres dos países ricos que estão pagando a conta. A classe média baixa, a classe C, que consumia, agora está atolada em dívidas. Teve o trabalho exportado para a China ou para a América do Sul, fábricas aqui fechadas porque a mão de obra era cara.

No Brasil, os pobres viraram classe C. Aqui, a classe média virou classe D ou E.

E por que eu estou escrevendo sobre isso?

Sinceramente, não sei. Pra Ovídio fazer uma análise. Pra Raquel dizer que eu estou viajando. Pra alguém mandar pro classe média sofre. Porque eu quero entender.

Porque, ao contrário do que acontece quando um brasileiro privilegiado vê uma pessoa desprivilegiada, a minha couraça de insensibilidade não funcionou. Eu senti empatia, senti pena, me imaginei ali. Continuei pensando por mais um bom tempo, até chegar em casa e resolver escrever.

Eu vi um tipo de miséria que não estou acostumado a ver, pela primeira vez.

0 Comments on “O dia em que eu me senti como um europeu na favela”

  1. Bom post. As vezes essa “couraça de insensibilidade não funcionou.” deixa de funcionar por determinada razão mesmo. Teve um dia que eu estava voltando pra casa com o motorista da minha vó, eis que no sinal aparece um moleque com uma camisa exatamente igual a minha, só que toda ferrada, na hora me bateu uma tristeza foda, me imaginei por um momento a vida do moleque, como ele chegou naquela situação, que eu poderia ser ele…

    1. Obrigado, Arthur.
      Eu ainda estou tentando absorver o golpe. Ao mesmo tempo que ter empatia é o que nos faz humanos, a couraça é o que nos faz funcionar socialmente. E eu não estava tão preparado pro choque, apesar de toda a vida no Brasil.

    1. Meu condicionamento automático disse que não, antes mesmo de olhar para a pessoa que estava pedindo. Eu estava tirando dinheiro, mas a resposta automática veio primeiro.
      E eu não lembro de nenhuma outra situação na minha vida na qual eu fiquei culpado por não dar dinheiro.

  2. A pergunta é: você deu dinheiro?
    Acredita que estou até hoje com a cabeça aquele senhor, lembra? Sábado enquanto estávamos bebendo e eu mostrando meu óculos novo do Marc Jacobs, passou um senhor de bengala com seus 80 anos, de terno e gravata, pedindo uma moeda. Eu ignorei. Não dei, mas aquilo ficou latejando na minha cabeça. Tudo o que eu queria agora era encontrá-lo de novo.
    Tudo isso é muito triste, tão triste que a gente se anestesia, e quando o insight vem, é desse jeito como aconteceu comigo sábado, e com você hoje.
    Então a gente pensa: uma andorinha só não faz verão. Mas daí vem outra ave na história: de grão em grão a galinha enche o papo.
    Já tô viajando, melhor encerrar por aqui.
    kisses

    1. É. Negar uma moeda para alguém com terno e gravata é muito diferente pra minha cabeça sulamericana.
      Eu não dei dinheiro. Disse que não antes mesmo de ver a pessoa, reação hipotálamica.

  3. Tarrask,

    Eu acho que você precisa mesmo de análise, mas não por esse motivo! 🙂

    Se lembra daquela minha conversa que virou post?

    O que deve ter acontecido foi algo parecido. Os outros casos de mendicância não ressoavam porque estavam muito distantes de sua realidade, do que você se imagina passando/fazendo.

    O caso dessa senhora lhe atingiu mais forte porque alguma coisa nela, ou principalmente na história que você criou para ela, lhe lembra você.

    Ela era careca, ou vascaina? 😀

    Abrações e obrigado pelo Estudo de Caso (que deve virar outro post psicolóide),
    Ovídio

    1. Acho que era porque eu nunca tinha visto este tipo de pedinte. Por isso me identifiquei. Sempre vi mendigos que não tiveram as mesmas oportunidades na vida que eu, mas nunca vi um europeu, branco e educado pedindo esmola.

      Do mesmo jeito que a Germana citou (e eu nem lembrava, mas estava com ela no domingo), um cara de paletó pedindo. Não é o cara na estação de trem, bem-vestido, pedindo uma moeda trocada porque não tem tempo de ir ao caixa eletrônico (isso, todos já fizemos). É o cara que tem roupas boas, foi pra pindaíba e agora está pedindo.

      Espero o estudo de caso ansiosamente.

  4. Lendo tudo isto me veio à lembrança o Túlio (meu filho), em Fortaleza, na movimentada avenida Bezerra de Menezes, parando o carro para dar uma moeda a um senhor idoso sentado no meio-fio. Tulio disse: “toda vez que passo aqui dou uma moeda a esse vein. E ele já me conhece”. Endendi o motivo, mesmo sem ele saber: fazia bem a ele ouvir o velhinho dizer: “Deus te proteja, meu filho”. Faz tempo, acho que Túlio nem está lembrado. Isto é só um comentário, para mostrar o outro lado.

    1. Túlio é um menino de ouro, simpatiza com todo mundo.
      Mas confesso que me senti diferente dos mendigos que estava acostumado a ver no Brasil.

  5. Bom… o ponto é que, sim, você entendeu o que houve, mas ainda assim se espanta com a sua própria reação.

    Mas vamos por partes. A couraça de indiferença não (pós)funcionou porque dela depende uma certa generalização (demonização?) para com quem ela é dirigida. Se você não enquadra o objeto da sua indiferença na ampla classe de “mendigos e afins”, todo o hábito construído em volta de esquecer, justamente, da mendigação, não funciona.

    Como você mesmo diz… Você se identificou. A senhora não era “o outro”, não era a legião sem rosto, sem memória e sem identidade. Você se viu lá. Ou antes, viu uma imagem completamente destoante do esteriótipo do mendigo, e portanto não conseguiu encaixa-la nessa categoria. E a culpa, agora longe da sua devida jaula, te assombra agora.

    Note o “agora”. A couraça funcionou sim, ou pelo menos funcionou enquanto a imagem destoante não entrou em cena. A couraça não só “pós” funcionou, mas isso foi depois.

    Medo, meu caro. Você não se identificou com a pessoa, e sim com a situação, a história que você construiu da senhora, a progressão que liga a imagem de uma “gerente trabalhadora” a uma “pedinte”. Uma história factível. Tão factível que você mesmo se viu podendo trilhando, até chegar àquela deplorável situação.

    Talvez o que tanto te impressione não seja a culpa, mas sim a angústia. Você ficou de cara com uma possibilidade real e aterrorizante. Você está com medo.

    1. André,
      Concordo que a couraça funcionou, mas foi só por frações de segundo, só o tempo suficiente para eu dizer que não tinha e depois ficar com peso na consciência por muito tempo. Entretanto, não se se sinto culpa por não ter dado dinheiro. Eu sou dos que acredita que dar dinheiro a mendigos profissionais não é uma maneira de solucionar o problema (prefiro dar o dinheiro a coisas como o Kiva.org, que você pode ver no banner lateral aí do blog, que empresta dinheiro a empreendedores pobres em países paupérrimos), porém me dá uma tristeza imensa ver a Espanha como está: quebrada, afundando.

      Não tenho medo por mim, porque é até legalmente impossível eu virar mendigo aqui. Sei o que é estar sem trabalhar, procurar trabalho e não conseguir nem entrevistas, mesmo com um currículo bom pra caralho, aliás, uma das razões pelas quais vou embora do país. Tenho medo porque tenho amigos que ficam, podendo ir embora depois, ou que não podem ir embora do próprio país. Tenho família política aqui, também. Então, talvez você esteja certo, mesmo acertando o tiro em outro alvo: tenho medo por outras pessoas, não por mim mesmo.

      1. Tarrask,

        Eu acho que uma coisa não exclui a outra, pelo menos num plano subjetivo.

        Seus amigos, aqueles com quem você se preocupa, são um pouco do que você se identifica, através de projeção, bla-bla-bla.

        Tá certo que recai sobre um clichê, mas essa questão de empatia é tão fudeirosamente verdadeira, que você notou que a maior parte dos comentários tão sendo sobre você? Seja tentando explicar seu sentimento, seja comemorando a constatação de sentimento na sua pessoa, seja relatando experiências parecidas.

        E mesmo que essa não tenha sido o ponto, quando você escreveu o post, nossa relação com sua pessoa acaba puxando a sardinha pro seu lado.

        Pelo que entendi, você queria ressaltar que a Espanha (et alii) estão numa crise muito foda, e que o fato dessa panela ter sido aquecida aos pouquinhos faz com que a maioria das pessoas não se dê conta. É isso?

        Eu já me perdi no tanto de comentários desse post, que discussão massa. Dá vontade de responder cada um! 😀

        (e sim, eu sempre vou responder concordando com os outros e discordando de você)

        1. Eu concordei com os comentários do André, exceto o fato de ter medo. Como você sabe, eu não tenho medo de ficar desempregado passando fome na Espanha, porque tenho dinheiro suficiente para sobreviver meus últimos 10 dias aqui.
          Meu medo é por projeção, pelas pessoas queridas que aqui ficam, mesmo.

  6. Querido filho, bom ver voce refletindo e perdendo couraças. Torço para que resista e “teime” muito para chegar lá, como aconselhou a mãe de Lula. Invista tudo que puder, para fugir do triste destino de tranfromers de mendigos qualificados como esta senhora de triste figura. Fizemos o melhor para que escapasse disso, tem ferramentas para avançar e não pertencer a uma geração que vive pior que seus pais. Não só do ponto de vista financeiro, inclui também sabedoria e discernimento para se adequar a tantas novas mudanças estruturais.
    Bom que se chocou, refletiu e escreveu. Tem chances de escapar. Agora a bola tá com voce…

    1. Acho que você não entendeu a historia da crise e o meu choque,

      Se eu fosse espanhol, em alguns meses estaria mendigando apesar de toda a minha preparação acadêmica e profissional. É por isso que o país está quebrado.

      Boa parte da população deste país não têm como escapar, mesmo tendo mestrados e doutorados e experiência profissional. Uma pessoa com 40 anos, demitida, nunca mais vai encontrar emprego na Espanha de hoje.

  7. O babado é muito simples: tem que ver pra crer, tem que vivenciar pra saber exatamente o que o Tarrask expressou que sentiu. Também sou Psicóloga e geralmente tenho o “defeito” de querer analisar tudo psicologicamente, mas esse é um caso SOCIAL, que você se identificando ou não, consciente ou inconsciente, é muito foda você ver 2gente como a gente”, com mestrado e doutorado, TENDO QUE PEDIR, porque como eles dizem, es lo que hay. A gente está tão entranhado nas situações do cotidiano que muita coisa passa desapercebida, porém chega um momento que não dá mais pra deixar passar, só não ver quem não quer. Clichê, porém o pior cego é o que não quer ver. Tá aí em cada esquina, é só você prestar um pouco mais de atenção.
    Tarrask, outra coisa que eu me toquei esses dias: tu já viu a quantidade de gente como a gente, principalmente idosos, mexendo nas latas de lixo? Tenho visto com cada vez mais freqüência. É a situação econômica que grita pedindo socorro.

    1. Gê, acho que os idosos estão mais despreparados para o que está acontecendo do que qualquer outro grupo social. A ajuda do estado simplesmente não dá pra cobrir o básico numa cidade como Barcelona ou Madrid. Se eles não têm ajudas de filhos ou parentes, vão passar fome.
      400 euros dá pra viver num pueblo, mas nas capitais você não paga nem um aluguel.
      Muito triste.

  8. é, diretor. não acho que você tava viajando… e concordo com o sábio ovo. isso nunca tinha chegado tão perto de você, até agora. a situação era diferente… lembra do cara do CAC que passava nas salas de aula pedindo dinheiro pra custear o tratamento de uma aluna da nutrição? e em Nutrição, dizia que era da Física, e por aí vai? na época, éramos alunos, e estávamos do outro lado… era muito distante,
    eu entendo você se colocar no lugar dela. você acompanhou toda a situação da espanha desde a crise até aí… acho que a empatia é mais facilmente realizada quando vem com a vivência. difícil é sentir a dor do outro sem entender a natureza dessa dor, né?

    eu aqui do meu lado busco isso. confesso que falta muito pra conseguir, mas tento sempre que possível vivenciar as experiências dos outros.

    e ainda choro que nem criança quando ando pela rua aqui em são paulo e encontro o velhinho que vende balas de coco. ou esvazio a carteira pra mandar pra casa uma criança que pede a noite, no frio… mas eles não vão nunca pra casa.

    1. Como eu acho que falei, e tá no post q eu linkei no começo, a gente precisa dessa couraça pra conseguir viver. Nós não podemos ter pena de todos os mendigos que vemos na rua e ao mesmo tempo andar numa rua do Brasil. Não adianta só esvaziar a carteira, porque isso não tira criança da rua, e eu sei bem disso.

      O que me fez sentir mal foi ver uma pessoa que esteve na outra posição: alguém que dava (ou se calhar, nem dava) dinheiro a mendigos, agora obrigada a dar, porque está vivendo uma situação que não foi criada por ela, e se calhar, ela nem sabe explicar o porque.

      Quem tá pagando o pato da crise espanhola, na maioria dos casos, nem sabe porque está pagando.

      1. Tarrrask,

        “Quem tá pagando o pato da crise espanhola, na maioria dos casos, nem sabe porque está pagando.”

        Eu acho que só a mulher que apanha sabe o motivo. Todos os outros que passam por crises só conseguem se tocar no motivo a posteriori.

        Fora isso, Quela tá certa quando fala que a gente precisa se esforçar para romper essa couraça. Por incrença que parível, você também tá certo que ela é vital pra gente sobreviver.

        O que concilia as duas idéias é que esse é um equilíbrio dinâmico, como um equilibrista numa corda bamba. Se ele ficar parado, ele se estrepa.

        E agora pensando bem, pelos comentários todos e pelo seu post, qual era o lado que a gente tava se inclinando, e agora precisa mudar pra voltar pro equilíbrio?

        (e lá vou eu e acabo concordando com você. Que fezes)

          1. E você concorda com ele.

            Cadê aquela menina que entende de lógica, cuja profissão ela não disse?!?!

  9. tarrask, eu (acho) que entendi o ponto.

    só que o que você sentiu não foi exatamente empatia, afinal de contas, você, ao se colocar no lugar dela, pensou em você no lugar dela, não nela no lugar dela. “E se fosse eu?”

    é a racionalidade do auto-interesse: aquele em quem você não se reconhece, não recebem o mesmo cuidado.

    claro que, de forma ampla, você pode chamar esse processo de empatia, e só porque eu falei em egoísmo, não significa que seja ruim (vamos abandonar essa visão dualista das coisas, nada é totalmente bom ou ruim, nem as coisas têm um valor intrínseco de maldade ou bondade que não tenha sido dado, particularmente, por nós).

    essa empatia é um tipo (o mais comum) de empatia, que é a empatia de projeção. a não ser que a sua psicopatia já tenha sido diagnosticada e eu não tenha ficado sabendo, é um sentimento que você já deve ter experienciado.

    mesmo com essas observações, parece-me que essa projeção é de grande valia para desencadear um processo de auto-conhecimento, o que, até quando é ruim é bom.

    só estou falando essas bobagens para que você pense por outro ângulo: a empatia que apenas reconhece os sentimentos do outro não sai muito do senso comum nem resolve muito qualquer problema social, político, moral. afinal de contas, na prática, você não deu a esmola a ela, deu?

    =)

    1. Roberta, a esmola não vai resolver o problema social dela.

      Eu estava tirando dinheiro do banco porque o pessoal do movimento 15-M estava organizando uma retirada de dinheiro em massa, para protestar. Nem funciona, mas era mais fácil que isso resolvesse o problema dela, por exemplo.

      O que me doeu não foi só ela, foi meio ver nela milhões de pessoas de um país, que foram reduzidas. Enfim, gente que caiu.

  10. Eu daria um sanduíche e acabaria com o sofrimento dela.

    Auto-preservacão é um meme ocidental muito fortemente preso no cérebro.

    Diferente de algumas culturas orientais, como japoneses… que se matam por muito menos (não passou no vestibular, perdeu a promocão do emprego), que para eles é vergonhoso viver assim, para eles tirar a própria vida por motivos de honra é algo nobre e valorizado…

    Por isso sou a favor da eutanásia e das cabines de suicídio de Futurama.

        1. Eu sou a favor do suicídio, desde que seja por vontade própria. Criar uma regra e dizer “acho que todo mundo que X deveria se suicidar” é, antes de tudo, um erro de vocabulário. [1] [2]

          Se todo mundo que pedisse sanduíche fosse suicidado, o McDonalds seria uma máquina de holocausto infantil. [3]

          1 – Antes das acusações de rafinhabastizar [4] o blog, era uma piada. Suicídio só pode ser feito em primeira pessoa. Mas eu considero uma coisa bastante séria, que só pode ser executado em solidão e evitado com ajuda.

          2 – A política do WKT para responder a comentários é assim: quando discordamos, falamos surrealidades.

          3 – Notem que este comentário ainda não é a prova da Lei de Goodwin, mas está brincando com fogo.

          4 – Aqui, a Lei de Goodwin não aconteceu por uma inovação vocabular.

          1. Tem um ditado em alemão que deve ser ponderado a respeito de seus comentários 1 e 2: “Wenn ist das Nunstück git und Slotermeyer? Ja! Beiherhund das Oder die Flipperwaldt gersput”

            Uma vez, atravessando o maior estado ao ar livre do mundo em linha reta sem semáforos, conheci uma persona que suicidava bandidos ¹. Nunca mais o encontrei, pra perguntar se o pessoal comia sanduiche e/ou mendigava².

            1- foi verdade
            2- não fica mais engraçado se a gente só avisa quando fala sério? Se for pra colocar notinha em toda piada, perde a graça.

  11. gosto do ponto de roberta, mas confesso que consigo realizar muito pouco o passo seguinte na experiência da empatia… se colocar no lugar do outro, com suas referências, vivências e dramas pessoais, não é suficiente?

    1. Eu acho que Roberta está trollando a sua cabeça.
      A empatia de uma pessoa estará, em quase todo caso, limitada à experiência da dita pessoa. Imaginar que seria possível que todos nós pudéssemos nos imaginar na pele de todos nós, ao mesmo tempo, é um exercício filosófico bacana e até o maior objetivo do budismo, mas é algo bastante pouco prático.

      Dar um sanduíche a esta mulher não resolveria o problema dela, que é viver num país no qual pessoas como ela, capacitadas, não podem trabalhar. Resolveria o meu problema (culpa cristã, caso eu tivesse) e me deixaria com a consciência menos pesada, se eu penssasse que contribuí para que a Espanha estivesse no buraco em que está (talvez ela tenha contribuído, pedindo uma hipoteca ou votando em quem votou). Mas o problema mesmo, não seria resolvido pela minha empatia.

      Às vezes é interessante se colocar no lugar de outro, para entender a sua experiência de vida. Nesse caso, não acho que seja suficiente para resolver o problema, já que o outro, muito provavelmente, não tem a menor ideia de qual é a origem do seu estado atual.

  12. Ovídio,

    continuo aqui porque não posso mais continuar aquele thread. Esgotamos o limite.

    Mas eu acho que as referências não precisam ter regras. Pode ser na piada ou falando sério. [1]

    1 – Sources required.

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