Joshua Bell é considerado um violinista virtuose (o nome chique para quem é porreta com um instrumento). Ele é reconhecido e bastante renomado e idolatrado em seu métier (outra palavra chique, pra não usar o mundano meio)
Por causa dessa fidalguia toda, só fui conhecê-lo através das páginas de uma das primeiras edições da Piaui, numa matéria sobre um experimento feito pelo Washington Post.
Eles pegaram esse virtuoso, a quem as pessoas pagam ingressos caríssimos pra escutar, e colocaram para tocar numa estação de metrô como um músico qualquer, anônimo. Lá estava ele na hora do rush do início da manhã, com seu violino extremamente caro (um Stradivari feito em 1713, que vale uns 3,5 milhões de dólares), em pé ao lado de uma lixeira na saída de uma estação, com roupas civis quase mulambentas.
O estojo do violino aberto a seus pés completava o disfarce de um artista de rua em busca de uns trocados.
A idéia do experimento era capturar a reação das pessoas comuns a algo extraordinário que esteja fora do contexto habitual, sem o embrulho pomposo nem as gravatas borboletas. Como um Severino reagiria diante de um dos melhores violinistas do mundo? Como as Marias se emocionariam presenteadas com uma pérola a caminho do trabalho?
A grande surpresa acabou sendo dos jornalistas que organizaram o experimento. Quase ninguém prestou atenção nele. A maioria absoluta continuava seus trajetos sem virar o rosto. Sua qualidade foi reconhecida apenas por um senhor que tinha estudado violino por bastante tempo e quase tocou profissionalmente, e por uma senhora que tinha assistido uma apresentação dele há algumas semanas.
Todos os outros passaram incólumes ao concerto, inabalados num mundinho próprio, como podemos ver nesse vídeo.
O título da matéria original também faz alusão, assim como o da Piauí, ao ditado de atirar pérolas para porcos. Eu não gostei muito da escolha. Me parece uma associação óbvia demais, deselegante com os usuários do metrô, e que desconsidera o fato de que todos somos cegos para a maioria das pérolas que passam por nossa vida.
Quando soube desse experimento refleti bastante sobre isso. Quais preciosidades passam por nosso nariz sem que percebamos? Com que frequência isso acontece?
E pra que você se angustie junto comigo sobre essa nossa limitação:
Quantos amores já passaram por seu caminho e você não notou porque estava ocupado com seus planos do cotidiano?
Quantas risadas você não perdeu por não prestar atenção ao seu redor?
Você se permite surpreender num dia comum, ou só em datas comemorativas (quando a surpresa é esperada)?
Será que o cotidiano serve como uma venda contra algo extraordinário que aconteça sem anúncio?
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PS: Para quem se interessar, o Joshua Bell recebeu mais atenção numa visita ao Google, onde ele se apresentou com o pianista Jeremy Denk e depois respondeu a perguntas.
5 Comments on “Surpresas no Cotidiano”
Bem vindo de volta!
😀
Obrigado. É uma ótima reminiscência!
E quantos músicos “porretas” não estariam se perdendo nos metrôs do mundo?
Marcelo, eu acho que todos os que estão nos metrôs ainda estão perdidos. Não sei se estão sendo desperdiçados, porque pra isso dependemos da qualidade de cada um!
Qualquer metrô decente tem um mapinha, com as linhas coloridas, pra facilitar. Não é fácil se perder lá não.