Luditas do ludopédio

Artigo publicado no jornal Contraponto, de João Pessoa.

Numa campanha recentíssima para um jogo de futebol do XBOX 360, o videogame hiperrealista da Microsoft, alegam que o esporte jogado na Eurocopa que acaba esta semana é a grande mentira. Fundamentam na quase absulota incapacidade de todo o público de influenciar no jogo. Quem tem poder, de verdade, são os jogadores e o árbitro. No videogame, não. É o usuário, que controla o jogo, o todo-poderoso. Nem árbitro tem poder, afinal, ele é completamente justo. Não há impedimento roubado, falta não marcada nem La mano de Dios.

O futebol é injusto, e é uma caixinha de surpresas, sabemos disso. As mudanças são, sempre, pra lá de atrasadas em relação à tecnologia. Recentemente aceitaram o uso de microfones entre os árbitros, e o homem do apito ainda não pode consultar uma c”mera ou um replay. A desculpa, sempre, é que as máquinas falham.

São os mesmos computadores que, em casos registrados, calculam a órbita de lançamento de um foguete, operam milimetricamente um cérebro ou desenham as linhas aerodin”micas das chuteiras dos jogadores, mas a FIFA está longe de reconhecer isso.

Não seria impossível criar, por exemplo, um microchip transmissor que indicasse que os pés (ou o corpo) de um jogador está em impedimento. O programa que calcula isso já existe (e a Globo tem). Ou o chip que, no centro da bola, calcularia se foi gol ou não. Ou a c”mera óbvia que mostraria que a bola não foi cabeceada, e sim manipulada. Posso citar duas Copas do Mundo que seriam completamente diferentes hoje por causa disso.

No começo dos anos 80, um comentarista de futebol, na época árbitro, criou polêmica no Brasil por apitar um jogo com um microfone. E hoje, que se pode escutar tudo e todos a quilômetros de dist”ncia, como seria?

Por que o esporte que aceita tanta tecnologia na fabricação e pesquisa de tecidos, chuteiras, treinamentos, exercícios, não permite quase nenhuma, exceto o olho e a razão humana, de apenas um árbitro, para garantir o cumprimento das suas regras?

O esporte mais popular do mundo, que move a quantidade mais absurda de dinheiro, que gera paixões e batalhas, um espelho da própria vida. E por isso mesmo, tão contraditório.

O mesmo esporte que parou uma guerra na África para ver um jogo do Santos deu origem à batalha de 85, onde ingleses massacraram italianos em território belga, e Platini recebeu o troféu manchado de sangue.

Não se pode entender nenhuma decisão racional baseada em futebol. Porque ele só é capaz de ser admirado quando é errado, ilegal, imprevisível. E para isso, se pode necessitar tudo, menos máquinas.