Como forjar uma notícia de jornal ou um filme

Escrever uma notícia de jornal não é para qualquer um. Quer dizer, escrever um artigo desses que a gente nunca esquece, contando algo importante. Há uns dias, preso no aeroporto, li este artigo de David Grann para a New Yorker e fiquei completamente embasbacado: me senti lendo um roteiro de um thriller de espionagem, falsificação e arte, desses de deixar  o Thomas Crown com inveja.

A história cresce a cada parágrafo, e se você largar, perde o final

Sabe aquela regra básica do jornalismo, de que o título tem que contar tudo, o primeiro parágrafo (vulgo lead) é um grande resumo, e o demais são detalhamentos? Pois o autor simplesmente ignorou olimpicamente, de maneira magistral. O leitor só é apresentado ao protagonista da matéria lá pelo meio. Até então, é só preparação do cenário para a história que ele conta, desenrolando um novelo, ao melhor estilo Agatha Christie[bb].

Uma leitura de quase uma hora

Lógico que esta reportagem não poderia sair na Veja (aliás, em quase nenhum veículo brasileiro, mas tergiverso). Tem uma quantidade absurda de palavras para uma matéria comum, e logicamente obrigou o autor a entrevistar muita gente, contrastar muitos dados, etc. Trabalho de primeira, de profissional bom mesmo. Top do top.

Estruturado

Fiquei quase uma hora lendo o texto, do começo ao fim, porque era longo mesmo.

Um toque pessoal

No meio do texto (isso não é um spoiler sério), o autor chega a falar em instinto jornalístico, e que foi impelido a continuar investigando, apesar de já ter material suficiente para entregar ao editor e ser publicado. O que seria uma matéria já interessante foi usado como base para que ele desconfiasse que havia ainda mais coisa por trás, investigar mais e mostrar muito mais fatos. Lá pelo final, ele vai só jogando fatos e mais fatos, para que o leitor chegue às suas próprias conclusões.

David Grann esqueceu do deus ex-machina jornalístico de concluir, de explicar exatamente o que aconteceu, e deixa o leitor no papel de jurado, obrigando-o a formar a sua própria opinião.

Se toda reportagem fosse assim, os jornais estariam bem menos ameaçados pela crise que sofrem hoje.

Por que raios eu pus a palavra forjar no título deste post?

Porque a estrutura do texto foi moldada, trabalhada como metal. O autor não só organizou os fatos e relatou o que viu, mas narrou uma história com o que observou. Contou a realidade de uma maneira divertida e atraente de ler (e graças a isso, muito mais fácil de memorizar e de atravessar as milhares de palavras).

Se eu fosse jornalista, gostaria de ter metade do poder de escrita deste cara. O pior é que, segundo a wikipedia, o repórter recebeu seu mais importante prêmio jornalístico por outra reportagem, Trial by Fire, que já está na lista de leituras futuras. Também escreveu um livro, cujos direitos para o cinema foram comprados por Brad Pitt. Parabéns, David Grann.

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